O rei Canuto(*) à beira-mar

20-10-2010 10:54

Há muito tempo, a Inglaterra era governada por um rei chamado Canuto(*). Como costuma acontecer com muitos líderes e homens ou mulheres no poder, Canuto estava sempre cercado de pessoas a enaltecê-lo. Bastava entrar num aposento qualquer e logo começavam os elogios.
— Vossa Excelência é o homem mais glorioso que já surgiu na face da terra — dizia um.
— Jamais haverá alguém tão poderoso quanto Vossa Majestade — reforçava outro.
— Nada há que Vossa Alteza não seja capaz de fazer — comentava entre sorrisos um terceiro.
— Grande Canuto, monarca de todos! Nada neste mundo ousa desobedecer a vossas ordens — alguém mais dizia em seu louvor.
O rei era uma pessoa bastante sensata e ficava cansado com todas essas tolices.
Um dia, caminhava pela beira-mar e os seus reais dignitários e fidalgos acompanhavam-no, tecendo-lhe cansativos elogios, como de costume.
Canuto decidiu ensinar-lhes uma lição.
— Pois então, dizeis que sou o maior do mundo? — perguntou a todos os presentes.
— Ó rei — responderam — nunca houve alguém tão poderoso, nem jamais existirá quem tenha tanto valor!
— E dizeis também que tudo me obedece?
— Perfeitamente! O mundo curva-se diante de vós e honra-vos.
— Entendo — disse o rei. — Então, trazei minha liteira, e vamos para a água.
— Imediatamente, Alteza! — E desceram todos, carregando o assento real pelas areias da praia.
— Vamos para mais perto — ordenou Canuto. — Colocai a liteira aqui mesmo, na beira da água. O rei então sentou-se e ficou a espreitar o oceano à sua frente. — Vejo que a maré está subir. Deter-se-á, se eu assim ordenar?
Os conselheiros ficaram perplexos, mas não ousaram dizer que não. — Ordenai, ó Grande Rei, e o Oceano obedecer-vos-á — garantiu-lhe um deles.
— Pois bem! Oceano — gritou Canuto — ordeno que te detenhas. Maré, interrompe o teu fluxo. Ondas, deixai de quebrar. Não ouseis tocar-me!
Esperou em silêncio alguns instantes, até que uma pequena onda veio espraiar-se aos seus pés.
— Como ousas?! — gritou Canuto. — Oceano, retorna agora. Mandei que te recolhas diante de mim, e deves obedecer-me agora. Retorna!
E a resposta não tardou — foi outra onda que veio quebrar ali, bem juntinho dos pés do rei.
A maré subia, tal como sempre fizera. A água aproximava-se cada vez mais. Até que atingiu a liteira molhando não somente os pés do rei, mas também o seu manto. Os conselheiros, ao redor, estavam todos alarmados, curiosos e inquietos por ver como ele reagia, se não se irritaria com tamanha desobediência e afronta.
— Ora vede, meus amigos — disse calmamente Canuto — parece que não tenho tanto poder, quanto me quereis fazer acreditar. Talvez tenhais aprendido algo no dia de hoje. Talvez agora saibais que só há um Rei todo-poderoso, que governa o mar e detém o oceano na palma da mão. Sugiro que guardeis as vossas expressões de louvor para Ele.
Os conselheiros e dignitários do rei ficaram de cara à banda e sentiram-se completamente tolos.
Aprenderam, de vez, que a lisonja não se aplica a todos e dizem até por aí que, pouco depois, Canuto tirou a pesadíssima coroa da cabeça e jamais tornou a usá-la.


William J. Bennett
O Livro das Virtudes
Editora Nova Fronteira, 1995
Traduzido e adaptado
 
(*) Canuto, de cognome o Grande (cerca 995 - 1035) foi Rei da Dinamarca (1018-1035), Rei da Noruega (1028-1035) e Rei de Inglaterra (1016-1035). O reinado de Canuto foi marcado por um período de paz interna, que se atribui à grande sabedoria de governação deste monarca, que ficou na História como símbolo de Humildade, bom-senso e sageza.

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