O Patinho Feio

10-11-2010 09:43

O campo estava uma beleza. Era pleno Verão. Os campos de trigo tinham uma cor de um amarelo de ouro, a aveia estava ainda verde. Nos prados, levantavam-se montes de feno que perfumavam o ar. Um grupo de cegonhas circulava com as suas compridas pernas vermelhas, falando uma língua que somente elas entendem.
Campos e prados eram cercados de grandes matas: aqui e ali brilhava ao sol um enorme lago.
 
No meio desta formosa região erguia-se um antigo castelo, rodeado de fossos cheios de água, e de muros revestidos de um espesso e emaranhado manto de trepadeiras, que se vinham juntar aos caniços e aos nenúfares de largas folhas que se estendiam sobre a superfície das águas.
 
Numa fenda da parede do castelo uma pata tinha feito o ninho, e estava a chocar os ovos. Já lhe ia faltando a paciência; a solidão aborrecia-a, as outras patas, suas comadres, vinham lá de longe a longe fazer-lhe uma visita; «As egoístas (!...)» preferiam ficar a patinhar na água.
 
Afinal um belo dia, um ovo apareceu picado, a casca estalou, e ouviu-se, «Pip, Pip!» e uma cabeça de patinho apareceu pelo buraco. No dia seguinte apareceu segundo patinho, e logo depois outro e outro. Os animaizinhos já se mexiam muito, e soltavam muito os seus alegres «quá, quá» estendendo com muita curiosidade a cabecinha por entre as folhas verdes que serviam de cortinado ao ninho.

A primeira palavra que eles disseram, foi:

- Isto é muito grande!

Efectivamente estavam mais à larga do que dentro da casca.

- Ah! vocês julgam que o que estão a ver é todo o universo? - disse a mãe - Desenganem-se; vai muito além do jardim, e além da igreja, cuja torre eu já vi uma vez; é verdade que não fui ainda mais longe.

- Ora vamos a ver uma coisa: vocês já nasceram todos? Qual! Falta um, o maior dos ovos, que está ainda intacto. Que tempo levará este a ser picado? Já me vai parecendo comprido o tempo...

E foi colocar-se de novo sobre o tal ovo.

- Como vai, comadre? — perguntou-lhe uma pata, que vinha fazer-lhe uma visita.

- Ora, como vou! muito aborrecida, minha comadre, com um dos meus ovos, que nem à mão de Deus Padre se quer abrir! Em compensação olhe para esta rica ninhada que aqui tenho! Já se viram umas criaturinhas mais bonitas? São o vivo retrato do pai! que por sinal ainda me não veio visitar, o maroto!

- Se dá licença, minha comadre, eu sempre queria ver o tal ovo. Quer saber? E nada mais nada menos que um ovo de peru. Já uma vez me sucedeu uma dessas; quando esses malditos perus, que me deram para tirar, nasceram, tive um trabalhão incrível com eles: cansei-me para os levar para a água; foi-me impossível. Mas deixe-mo ver; é o que eu digo, um ovo de peru. Quer saber, minha comadre? Eu no seu caso, deixava-o para aí, e tratava de ensinar os meus pequenos a nadar.

- Nada, isso não faço, eu já agora espero ainda alguns dias.

- Sua alma, sua palma, tornou a outra.

E foi-se embora.

Enfim o ovo apareceu picado, ouviu-se um «pip, pip,» e saiu um patinho mais forte que os outros, mas muito feio e desajeitado.

- Ó pai do céu! que monstro! - disse a mãe, - não se parece nada com os outros: dar-se-á caso que ele seja um peru ? Vamos fazer uma experiência. É preciso que ele se atire à agua: deitá-lo-ei se não for por sua vontade.

No dia seguinte fazia um tempo lindíssimo. A pata saiu com a sua ninhada, e desceu até à beira do fosso cheio de água. Deitou-se à água e começou a chamar pelos pequerruchos: quá, quá, e os patinhos iam-se lançando à água, onde mergulhavam a cabeça, e nadavam admiravelmente. Todos se tinham atirado à água, até o tal que nascera mais tarde

- Pelo que vejo, não é um peru - disse a mãe. - Vejam a perfeição com que ele mexe as pernas, e como ele vai direitinho. É meu filho, não tem que ver. Afinal quando reparo bem para ele, vê-se que não é nada feio.

- Quá, auá! Sigam-me, meus filhos, vamos por aí fora, quero apresentá-los aos outros patos. Aproximem-se mais de mim, e cautela com o gato!

No lago havia um grande barulho. Dois bandos de patos, disputavam, a grandes bicadas, uma cabeça de enguia. No mais aceso da batalha o gato, que, à beira do lago, parecia dormir, deu uma sapatada e fez cair em terra a cabeça da enguia, que imediatamente devorou.

- Vejam, e aprendam - disse a pata aos filhos - a vida é cheia de embustes e de enganos. É preciso que se vão acostumando cedo como se hão-de haver neste mundo. Curvem o pescoço e cumprimentem respeitosamente aquele pato velho e gordo que está ali em baixo; é de raça espanhola, reparem-lhe para os pés, orlados de vermelho. Aquilo é um sinal de alta distinção; tem aquilo para que a cozinheira se não engane e o mate.

- Vamos, aprendam a dizer: Quá quá, e não me ponham os pés para fora. É feio.

Os pequeninos obedeciam fielmente à mãe, mas por mais que fizessem os outros patos olhavam para eles com muito maus olhos, e diziam alto:

- Ora aí temos nós outra ninhada!

Como se não fossemos já bastantes para o poucochinho que nos dão de comer!
- E então, não querem ver? – observou um patinho - onde é que a tia foi buscar um filho tão feio?

E atirou-se ao pobre do bichinho, e deu-lhe algumas bicadas.

A mãe correu a proteger o filho, e perguntou:

- O que foi que ele te fez, grande mau, para lhe bateres?

- A mim, nada, mas nunca se viu um pato assim tão grande, com aquela idade. É tão desgraçado, que desonrou a nossa espécie.

O pato espanhol aproximou-se, e elogiou muito o aspecto e as maneiras dos patinhos:

- Pena é que entre vocês esteja uma criatura tão feia!

- É verdade, - respondeu a mãe, - não é bonito, mas é muito bonzinho. Nada na perfeição. Com o tempo talvez que fique melhor; esteve muitos dias no ovo, foi isso que o fez assim. E depois - continuou ela, alisando-lhe as penas que estavam eriçadas das pancadas que lhe tinham dado - é um
macho, pouco importa que seja bonito ou feio.

- Se vossemecê se consola, acabou-se, - tornou o pato espanhol. - O que eu lhe digo porém, é que os seus filhos são uma perfeição. Que sejam bem vindos; em todo o caso se encontrarem alguma petisqueira por aí, devem trazer-ma, porque eu aqui sou o chefe, e quero que me respeitem.

A nova ninhada foi pois muito bem recebida por todos, salvo o patinho, que não deixou de ser mordido, empurrado, escarnecido e repelido. As próprias galinhas riam-se dele, e achavam-no disforme. Havia no pátio um peru, que passeava com o papo muito cheio e assoprado, como se julgasse que o mundo lhe pertencia. Quando viu o patinho ficou furioso, e atirou-se ao desgraçado: chegando à beira do lago, e vendo que não podia alcançar o objecto da sua cólera, fez-se muito vermelho, e soltou terríveis glús glús.

Para o patinho não havia uma hora de descanso. Nem sequer de noite podia dormir, pensando nas amarguras que tinha sofrido de dia.

Cada dia era pior. Os seus próprios irmãos riam-se dele, e diziam:

- Não sei o motivo por que o gato o não apanha, a este maldito que nos anda a envergonhar!

A mãe, que ao princípio o defendia, acabou por dizer:

- Quem dera que ele morresse!

E os outros patos cada vez eram piores para ele, e até a criada quando vinha trazer a comida para a criação, dava-lhe pontapés se acaso o bichinho se aproximava dela.

Afinal o patinho viu-se tão apoquentado da sua vida, que um belo dia largou a voar por cima das sebes, dos jardins e dos campos. Os passaritos que se aninhavam nos ramos das árvores, ouvindo o barulho daquelas asas pesadas e inexperientes, fugiam cheios de susto.

- Têm medo da minha fealdade, - pensou consigo o patinho, e fechou os olhos para não ver aqueles lindos animaizinhos fugirem ao avistá-lo. Foi voando, voando, até que chegou a uma grande lagoa onde havia patos bravos. Parou ali, e escondeu-se nos juncos: estava cansado, e morto de tristeza. Pela manhã os patos começaram a observar com curiosidade o recém-chegado.

- De onde é que vens? De que raça és? - perguntaram.

O patinho entrou a fazer cumprimentos acanhados, próprios de uma pessoa que está muito envergonhada.

- Podes gabar-te de que és rasgadamente feio, - disseram-lhe os outros. - Mas isso pouco nos importa, com tanto que se te não meta na cabeça o casares com uma das nossas filhas.

Coitado! como se ele pensasse em casar-se! Muito feliz se julgava ele em que o deixassem ali ficar, e era que lhe consentissem que procurasse a caça e o abrigo naqueles juncos! Permaneceu ali pois coisa de alguns dias. De repente arribaram dois patos que vinham do norte; eram moços, e a mocidade gostou sempre de aventuras.

- Olá, amigo, - disseram eles ao patinho. - Tens um feitio tão patusco que nos diverte bastante. Anda daí connosco, e serás, como nós, ave de arribação. Não longe daqui, numa outra lagoa, há algumas patas que não deixam de ser amáveis: como não têm visto muitos patos, não sabem o que é ser bonito ou feio; talvez que tu, apesar de seres feio, consigas agradar a alguma delas.

Nisto ouviu-se piff, paff, e os dois patos caíram mortos na água. Daí a pouco ouviu-se de novo piff, paff. Bandos de patos e marrecos saíram dos caniços e deitaram a fugir para todos os lados. Os tiros de espingarda repetiram-se; era uma grande caçada. Os caçadores estavam uns nas margens da lagoa, outros por entre os ramos dos salgueiros e dos choupais.
 O fumo azul da pólvora formava uma nuvem espessa. Os cães atiraram-se à água, fazendo plask, plask; e metendo-se por entre os juncos iam já próximos do esconderijo do patinho. Que sustos para o pobrezinho! já ia esconder a cabeça debaixo da asa para não ver aquela cena horrorosa, quando viu diante de si um enorme cão, de olhos vivos e brilhantes cheios de raiva, e de boca aberta onde alvejavam dentes afinados e terríveis. O cão rangeu os dentes olhando para o patinho, depois plask, plask, nadou para diante e foi em busca de uma caça melhor.

- Afinal a minha fealdade já me serviu de algum proveito. Até este cão teve nojo de mim! - disse consigo o pato quando o perigo passou.

E meteu-se no mais espesso dos juncos, enquanto as balas assobiavam, e que se ouviam as detonações dos tiros. Aquilo durou cerca de um dia inteiro. Depois os caçadores foram-se embora. Mas o patinho ficou ainda algumas horas sem se mexer.
Afinal depois de muitas precauções, saíu da água, e deitou a fugir o mais depressa que pôde, atravessando campos e vales, no meio de um temporal que o não deixava ir tão depressa como queria. O que desejava a todo o preço era fugir daquela maldita lagoa.

À boca da noite chegou a uma pequena e pobre cabana de lavrador: tão arruinada estava esta habitação que bem se podia dizer que o que a sustentava de pé era justamente o não saber a pobre para que lado havia de cair.
O vento era de tal modo violento, que o patinho teve de se encostar à cabana para não cair. Viu então que a porta não estava muito segura: vai o patinho, meteu-se por uma fenda e penetrou no interior.
Na cabana morava uma velhinha, com um gato e uma galinha. O gato que ela chamava meu filho era um magnífico animal, que gostava muito que lhe fizessem festas no lombo; a galinha tinha os pés ridiculamente curtos, mas era muito poedeira, e a mulher estimava-a bastante por isso.

Pela manhã quando se deu com o intruso, o gato começou a roncar o seu ron-ron, e a galinha entrou a fazer cá-cá-rá-cá.

- O que é isto? - perguntou a velha.

Foi ver e deu com o fugitivo. Julgou que era uma pata e exclamou :
- Ora ainda bem, ainda bem, vamos ter ovos de pata, havemos de tirar uma ninhada.

Tomou conta do bichinho, e deu-lhe agasalho e boa comida. Foram estes os melhores dias da vida do pato. Mas três semanas depois, quando se percebeu que ele não punha, começaram de novo as atribulações e aflições do desgraçado.

A galinha era como que a senhora em casa, dizia sempre nós e os outros. Este «nós» que lhe dizia respeito a ela, à mulher e ao gato, colocava-o ela acima de todo o universo. O pato ousou um dia emitir uma opinião diferente. A galinha gritou logo:

- Sabes pôr ovos ?

- Eu, não - respondeu o pato.

- Pois nesse caso, tem a bondade de te calares ; não tens préstimo nenhum.

- Sabes pôr a espinha em arco, e fazer ron-ron? — perguntou o gato.

- Eu, não - respondeu o pobrezinho.

- Pois então o melhor que tens a fazer, é calares esse bico; contenta-te em ouvir as pessoas de juízo.

O patinho calou-se, e meteu-se a um canto. Via-se de novo infeliz e desgraçado. O sol e o ar fresco penetravam na cabana, e ele sentiu uma grande vontade de nadar. Foi dizer isto à galinha.

- Ora aí está o perigo de não fazer nada! Vem-nos dessas ideias extravagantes. Pusesses tu ovos e fizesses ron-ron, já não te passariam pela cabeça essas tolices.

— Mas é tão bom estar na água, mergulhar a cabeça, e ir até ao fundo duma lagoa!

— Estás doido completamente — respondeu a galinha. — Pergunta ali ao gato, que tem juízo para dar e vender, se é bom meter-se a gente na água. Não falo por mim; mas vai ter com a nossa patroa e pergunta-lho: ninguém sabe mais do que ela. Sempre quero ver se ela gosta de chafurdar na água.

— Nada, vocês não me compreendem - ousou replicar o pato.

— O que dizes tu? Que te não compreendemos! Ora esta! Então julgas que és mais esperto que a patroa e o gato? Não falo de mim, repara bem. Ora vamos, meu amiguinho, tenha juízo e seja modesto. Deus pode cansar-se de ser tão bom como tem sido até agora para ti. Fez com que viesses ter aqui; tens a nossa sociedade, poderias aproveitar-te dela para te instruíres. Tomara eu poder-te ensinar alguma coisa. Não deixo de ser tua amiga, e se te digo algumas verdades amargas, é para teu bem. Nota o que te digo: não há neste mundo senão duas coisas: pôr ovos, e fazer ron-ron. Trata de aprender isto.

— Talvez que em viajando eu venha a saber isso - disse o patinho.

— Olha que isto não pode senão fazer-te bem, disse a galinha. Por ora ainda és tolo chapado!

O patinho saiu dali, dirigiu-se a uma lagoa solitária, e deitando-se à água, nadou à sua vontade, mergulhou, tornou a mergulhar, e assim se esqueceu das tolices da galinha.

Chegou o Outono. As folhas amareleceram, secaram, o vento levou-as, e fê-las redemoinhar nos ares. Veio depois o Inverno; nuvens pesadas de neve encobriam o sol. Ouviam-se os corvos passar, grasnando, transidos de frio.

Recomeçaram as aflições do patinho. Uma vez contudo o bichinho teve um momento de felicidade. O dia tinha sido muito bonito: o sol pusera-se envolvido em nuvens de uma cor vermelha esplêndida.
Nisto passou um bando de grandes e magníficas aves; o patinho nunca vira aves daquela espécie. Eram de uma alvura extraordinária, tinham pescoços compridos, que recurvavam graciosamente; eram cisnes. Soltaram um grito especial. De asas abertas, voavam para os países do sul, em busca de calor. Subiam, subiam sempre; e o patinho, ao vê-los, sentia uma sensação até ali desconhecida. Virou-se e revirou-se na água, estendeu o pescoço para eles, e soltou um grito vibrante e singular, que o encheu a ele próprio de susto.

Ah! como ele gostava daquelas aves, sem as conhecer, sem saber onde iam! Quando desapareceram, o pato mergulhou até ao fundo da água, e quando veio à superfície sentiu uma comoção como até ali nunca sentira. Admirava aquelas magníficas aves, e não lhes tinha inveja. O  desgraçadinho, que teria sido tão feliz se os patos o quisessem admitir na sua companhia, pensava de certo que seria sempre uma criatura repugnante.

O inverno foi muito rigoroso: gelaram as lagoas e tanques, e o patinho viu-se obrigado a nadar continuamente, mexendo os pés até de noite, para que a neve se não formasse em volta do seu corpo. Mas por mais que fizesse, o círculo em que ele estava metido ia-se apertando, apertando, até que uma noite não pôde mais lutar, não se mexeu, e ficou imóvel, preso, adormecido no gelo.

Pela manhã, um camponês que passava, quebrou com os tamancos o gelo, e levou para casa o patinho, que se reanimou com o calor. As crianças queriam brincar com ele, mas o pobrezinho, com medo de novas judiarias, julgou que eles lhe queriam fazer mal, e fugiu atordoado indo cair numa grande panela cheia de leite, que se derramou pelo chão. A camponesa, zangada, agarrou numas tenazes, e foi para lhe bater, mas o patinho começou a esvoaçar, indo afinal cair numa barrica de farinha; ao sacudir-se levantou uma nuvem branca que encheu a casa toda, mas a mulher cada vez estava mais furiosa e cada vez o perseguia com mais raiva.

As crianças estavam contentíssimas com esta cena: riam a bandeiras despregadas, e corriam como doidas atrás do pato, que não sabia onde se meter.

Felizmente uma rajada de vento escancarou a porta, e o desgraçado fugiu, indo esconder-se num montão de lenha.

Foi uma vida dura e triste a do pobre patinho em todo aquele Inverno. Afinal o sol tornou a aparecer, e a cotovia cantava de novo. A primavera surgiu tão bonita quanto o Inverno fora feio.

O patinho tinha também crescido bastante, e adquirira mais força nas asas. Sem pensar em tal, um belo dia ergueu-se por esses ares, e foi mais alto do que nunca pensara. Depois de ter pairado muito à sua vontade nos ares, desceu, e achou-se numa grande e lindíssima quinta. Estavam em flor os espinheiros e os sabugueiros. Através de maciços das árvores, serpenteava um ribeiro cristalino que ia desaguar num grande lago orlado de uma relva macia e verde. Que bonita coisa! Como se estava bem naquela sombra!
De repente o patinho viu aparecer no lago três cisnes formosíssimos. Deslizaram também sobre a água! O vento enfunava-lhe as asas, estendidas como as velas de um barco.

Ao vê-los, o pato sentiu-se dominado de uma doce melancolia.

- Bem sei, reconheço - disse - estas aves reais; vou admirá-las de mais perto, matar-me-ão decerto, e têm razão para isso: um feiarrão como eu não tem direito de se aproximar deles. Mas acabou-se: mais doce me é ser morto por estes, do que ser maltratado pelos meus irmãos patos, escarnecido pelas galinhas, e repelido por toda a gente.

E nadou em direcção das lindas aves; estas assim que o viram, foram ao seu encontro, fendendo os ares.

— Bem sei o que me espera, matem-me, matem-me! - exclamou o infeliz, e abaixou a cabeça para a superfície das águas, esperando a morte.

Mas o que viu ele no cristal do lago? A sua própria imagem: não era uma criatura desajeitada, sem graça, e de um cinzento sujo. Era um cisne!

De repente, diante da doçura da sua felicidade actual, já nem se lembrava dos trabalhos por que tinha passado. Os outros cisnes cercavam-no, faziam-lhe festas. Muitas crianças vieram à margem do lago, lançando para a água, pão e hortaliça, e o mais pequeno dos meninos exclamou:

— Repara, há mais um cisne!

— E é verdade, é um novo, é um novo! - gritaram os outros cheios de júbilo, e foram a correr dizer aos pais. Voltaram com bolos e doces que atiraram de novo à água.

— É o mais bonito de todos. Que lindo, que bonito!

Quanto ao patinho nem sabia o que fazia, tal era o seu espanto!
Em vez de se encher de orgulho, como tantos o faziam, sentia-se envergonhado e escondia a cabeça debaixo da asa. Pensava em todas as amarguras que tinha padecido, e agora chamavam-no o mais belo daquelas magníficas aves que ali estavam! Foi reinar com eles sobre esse formosíssimo lago, cercado de bosques encantadores. Levantou então o pescoço gracioso e flexível, curvou as asas, que a brisa enfunou e fez sussurrar, e deixou-se deslizar elegantemente sobre o cristal das águas.
E cheio de uma felicidade íntima, dizia consigo:

— Nunca, nunca, nem ainda quando eu era o patinho feio e disforme, me passou pela ideia que teria uma felicidade como esta!


Hans Christian Handersen

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